segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Os sete dons do Espírito Santo e as sete virtudes

Muito já se ouviu dizer sobre os dons e as virtudes, mas nem por isso se pode afirmar que as pessoas entendem, de fato, o que eles significam para a sua vida. Parece algo distante, reservado somente para alguns poucos privilegiados, os que tiveram a sorte de ser beneficiado por uma dádiva de Deus, como se dons e virtudes fossem prêmios concedidos por uma espécie de uma loteria divina. Já ouvi muita gente dizer que não tem nenhum dom e que desconhece suas próprias virtudes. Afirmar coisas deste tipo nem sempre significa humildade, mas, sim, desconhecimento do seu verdadeiro significado. É disso que vou falar neste pequeno texto, buscando mostrar como os dons e as virtudes fazem parte da nossa vida e como podemos usufruir dessas qualidades divinas concedidas a nós, humanos, tornando-nos, assim, mais próximos de Deus.
OS DONS
1) Sabedoria: sabedoria não é apenas a soma de conhecimentos, mas, sim, de como procedemos para adquirir conhecimento. É algo a ser exercitado, aprendido porque ninguém nasce sábio, mas se torna sábio. Segundo a Bíblia, a sabedoria vem de Deus (cf. Is 11, 1-22) e nos é dada como um dom, uma pedra preciosa a ser lapidada ao longo da nossa vida. À medida que vamos lapidando essa pedra preciosa devemos colocá-la em prática e, assim, ir transformando o mundo em que vivemos, fazendo dele uma sociedade alicerçada na justiça porque a justiça é fruto da sabedoria. É sábio aquele que pratica a justiça porque a justiça defende a vida e a vida é o bem supremo, a maior preciosidade. Sabedoria e justiça são conceitos inseparáveis. José era um homem sábio porque era justo (Mt 1, 19). Salomão era justo porque era sábio (1Rs 3, 5-14). Quem promove a justiça promove a vida e quem promove a vida dá provas de sua sabedoria. Quem é sábio, diz Isaias (11, 3) não julga as coisas pela aparência, nem dará a sentença só por ouvir. Quem age desta forma não age com sabedoria. Quem é sábio julga os fracos com justiça, dá sentenças retas aos pobres, defende os indefesos contra os violentos. Quem é sábio faz da justiça a correia que cinge a sua cintura, isto é, está sempre a serviço da justiça, sendo fiel a ela em quaisquer circunstâncias. O sábio sabe que a justiça é o meio mais eficaz para implantar a paz e a harmonia sobre a terra, mesmo que isso possa parecer algo que não lhe traga benefício pessoal. Todo aquele que cultiva a sabedoria no jardim de sua vida, colhe como resultado a felicidade. Sabedoria é, portanto, à busca da felicidade e para se obter felicidade é preciso o dom do entendimento.

2) Entendimento: Somos chamados à perfeição. O entendimento é um dos sete dons que recebemos no processo de completude dessa perfeição. O dom do entendimento, também chamado "dom da inteligência" ou "dom do discernimento", tem estreita relação com o dom da sabedoria. É ele quem nos proporciona uma compreensão mais profunda das coisas, além daquilo que elas revelam na sua aparência. Com o dom do entendimento podemos compreender as verdades reveladas, contudo, sem desvendar os seus mistérios, pois são os mistérios que tornam as coisas encantadas. Através do dom do entendimento, conhecemos as coisas, os outros e passamos a nos conhecer mais profundamente e, assim, reconhecemos a profundidade de nossas limitações e misérias, o que nos faz mais humildes e nos ensina a curvar diante do mistério insondável de Deus e de toda a sua criação. Nos ensina a relacionar melhor com os outros porque entendemos que não somos melhores que ninguém, apenas somos diferentes uns dos outros. Entendemos que as diferenças são necessárias, pois elas significam diversidade e as diversidades são fundamentais para a vida. É a nossa faculdade de avaliar os seres e as coisas, podendo assim, julgá-las da forma mais precisa e mais próxima da verdade. Com o entendimento podemos emitir juízos de valor, formular nossas opiniões e chegar a um consenso sobre determinada coisa. O entendimento das coisas nunca chega a um fim. Se elas mudam e se recriam constantemente, não é possível que a entendamos por completo. Isso exige que o nosso entendimento seja, igualmente, algo em constante mutação. Dizer que conhecemos as coisas na sua totalidade é a prova mais cabal do nosso desconhecimento ou da nossa ignorância. O entendimento é um dom do Espírito Santo dado a nós para entender, espiritualmente, os sinais da presença de Deus nas relações humanas e em todos os seus desdobramentos. Encontramos, na Bíblia, tanto no antigo como no Novo Testamento, referências ao entendimento enquanto dom do Espírito, junto com os demais dons, como, por exemplo, em Isaías (11, 1-5), na primeira Carta de Paulo aos Coríntios (12, 4-11) e na Carta aos Romanos (12, 6-8). Em todos esses casos o entendimento aparece vinculado ao dom da sabedoria e, às vezes, com outras nomenclaturas, como discernimento, ensino, inteligência, entre outras. Este dom nos leva a entender e a compreender as verdades da salvação, reveladas nas Sagradas Escrituras e nos ensinamentos da Igreja e, a partir disso, melhorar nossos relacionamentos, sendo mais amigo, mais solidário, agindo com mais gratuidade e menos interesse, enfim, promovendo a paz e a concórdia entre todos. Quando entendemos os propósitos dos mistérios de Deus e o colocamos em prática, mudamos radicalmente nossa maneira de ser e de agir. Todos perceberão que o dom do entendimento é parte integrante de nosso ser, pois é ele que nos concede discernir a realidade e tomar decisões acertadas. Enfim, o dom do entendimento significa não apenas o uso da razão, mas a ciência do coração que ajuda a contrabalançar nossas atitudes e decisões, fazendo com que elas sejam tão humanas que tenha algo de divino. Entender significa ver com o olhar do coração, porém, passando pelo filtro da razão. É sentir e conhecer os sentimentos e as atitudes da mente e do coração das outras pessoas. Aprendemos a tirar uma lição de tudo o que acontece na nossa vida e ajudamos os outros a fazerem o mesmo. Quando agimos assim, estamos também exercitando um outro dom, o conselho.

3) Conselho: O dom conselho não significa apenas o dom de dar ou receber conselhos, mas, sobretudo, o dom de saber discernir caminhos, saber orientar e escutar, animar a si e os outros, enfim, saber alentar a fé e esperança. É o dom de orientar e ajudar quem precisa. Fazemos isso quando dialogamos fraternalmente com os outros. Quando ajudamos os outros a encontrar as melhores soluções para os seus problemas. Quando a nossa conversa franca e sincera aponta luzes na escuridão das incertezas de nossos semelhantes. Quando animamos os abatidos, alegramos os tristes, ajudamos a recobrar o ânimo dos que estão desanimados. Enfim, quando ajudamos a transfigurar uma série de situações que necessitam de mudanças. Quem nunca deparou em sua vida com alguma situação difícil, de dúvidas e incertezas, de desânimo e falta de perspectiva? Nesses momentos deve entrar em ação o dom do conselho cuja função é recobrar o ânimo, anunciando a esperança. É uma espécie de dom profético que, recebido no batismo, nos faz participantes da missão profética de Cristo. O dom do conselho, também conhecido como dom da prudência, nos faz discernir corretamente o que convém dizer e o que convém fazer nas diversas circunstâncias da vida, conformando-a de acordo com o que Deus quer de nós. Ele nos orienta no processo de santificação porque nos ajuda a buscar sempre as coisas de Deus, agindo com cautela e segurança em todas as circunstâncias. É, na verdade, aquele dom que deveríamos usar em todo momento porque em todo momento temos que tomar decisões. Tudo o que fazemos na vida é resultado de decisões. Ele nos faz saber com segurança o que convém e o que não convém dizer, fazer ou mesmo pensar, nas diversas circunstâncias da vida. Pessoas que agem guiadas por esse dom tendem a acertar nas suas decisões porque ele é o dom que nos dá confiança nas nossas ações e dissipam os medos. Ele nos orienta a confiar mais em Deus e em nós mesmos e agir com serenidade. Enfim, o dom do conselho é um dom desencadeador de outros dons, como, por exemplo, o dom da fortaleza.

4. Fortaleza: Ser forte diante das dificuldades, enfrentando-as com coragem, sem desanimar é uma manifestação do dom da fortaleza. Precisamos dele constantemente para viver. Quem é forte, no sentido de fazer uso do dom da fortaleza, assumi com alegria os deveres que a vida lhes impõe e ainda encontra tempo para realizar com maestria seus sonhos e projetos. Quando o dom da fortaleza está sendo colocado em prática, são vários os sinais que obtemos como resposta: resistimos com mais facilidade as seduções; enfrentamos com prudência e coragem os riscos nos nossos empreendimentos, enfim, quando temos certeza que estamos fazendo a coisa certa, não tememos as conseqüências, não nos amedrontamos diante de ameaças e perseguições. O dom da fortaleza é conhecido também como dom da coragem e coragem não é atributo apenas dos grandes heróis, das pessoas que se destacaram numa batalha, numa causa, numa missão ou qualquer outro empreendimento. É aquela força que brota de dentro de nós no cotidiano da vida, resultado de nossa humildade, e nos ajuda a atravessar incólumes os momentos mais difíceis. Pessoas fortes, no sentido de ser portadora do dom da fortaleza, não são simplesmente as que têm a aparência física de forte, força física adquirida através de treino nas academias, mas as que têm aquela força que vem do seu interior, permitindo que atravesse as mais difíceis situações sem se esmorecer ou abalar, ou sem se abalar demasiadamente. Ele é, além do “motor” do nosso crescimento, o que proporciona o nosso desenvolvimento em todos os sentidos. Na Bíblia o dom da fortaleza aparece em diversos momentos e situações e em todos com a função de superação de obstáculos e de limites, algo que impulsiona a ir além. A fortaleza aparece associada à capacidade de perseverar, a paciência e a tenacidade. Ele nos dá confiança, segurança, não nos deixa desistir, haja o que houver. Com ele somos capacitados a enfrentar duras provas, sempre cientes e conscientes da possibilidade da vitória.

5. Ciência: É o dom que nos faz conhecer as coisas criadas nas suas relações com o Criador. O dom de saber explicar a Palavra de Deus, as doutrinas da Igreja nela fundamentadas e aplicá-las no cotidiano da vida, fazendo com que o verbo de Deus se encarne na realidade humana, conferindo-lhe sentido e significado. Podemos dizer que é o método do processo de santidade. Os santos foram aqueles que mais souberam fazer uso do dom da ciência. O dom da ciência nos ensina a despojarmos de muita coisa e viver somente pelas que são essenciais e eternas. O dom da ciência nos faz ver o sofrimento e a humilhação de maneira nova e nos faz sair dele mais fortalecidos, mais semelhantes ao criador, brilhando em nós uma centelha do esplendor divino, purificada pela dor. O dom da ciência nos ensina a lidar com a dor, com o sofrimento, com a humilhação de maneira nobre e a vivê-los com dignidade. Nos ensina a fazer dos limões que a vida nos oferece, saborosas limonadas e das pedras do caminho, lindos castelos. O dom da ciência nos dá sensibilidade para compreender a realidades, interpretar os sinais dos tempos e agir da maneira mais adequada possível. Ter o dom da ciência é estar ciente daquilo que é bom ou não. É agir com a confiança de se estar fazendo o bem e o bem é tudo aquilo que promove a vida em todas as suas dimensões, fazendo com que as pessoas vivam feliz.

6. Piedade: Piedade é aquele dom que nos faz, a exemplo de Cristo, mansos e humildes de coração. As pessoas piedosas, ou que vivem o dom da piedade, são aquelas que se compadecem do sofrimento alheio. Portanto, piedade é o mesmo que misericórdia e compaixão. Mais que um sentimento ou uma prática externa, piedade é um modo de ser que nos faz tão humanos que revela o divino que existe em nós. Piedade é fazer do sofrimento alheio o nosso próprio sofrimento, é o mesmo que compaixão. O dom da piedade aprimora em nós as virtudes, como, por exemplo, a virtude da caridade e da justiça. Elas dependem do dom da piedade. Quem não exercita esse precioso dom, dificilmente vai praticar tais virtudes. Pelo dom da piedade procuramos fazer para o outro tudo aquilo que gostaríamos que os outros fizessem a nós. O dom da piedade faz parte do processo de santificação. Ele pode se manifestar a qualquer momento, inclusive naqueles em que, aparentemente, estamos necessitados da piedade ou da compaixão de outros e de Deus. Esse dom nos faz diferentes, faz-nos gratuitos nas nossas relações, nos ensina a perdoar, faz-nos pessoas melhores, mais nobres e, sobretudo, mais felizes. Revoluciona o nosso campo de ralações que ajudam a promover uma sociedade mais justa e fraterna, não pautadas na vingança, nem no “olho por olho, dente por dente”, mas na prática da misericórdia e da piedade. Enfim, o dom da piedade nos coloca em sintonia com Deus. É o dom da intimidade de filhos com o Pai porque nos orienta de forma divina às relações humanas que temos com Deus e com o próximo, tornando-as mais profundas e perfeitas. O dom de piedade não nos incita apenas a cumprirmos com nossos deveres religiosos, mas leva-os também a experimentar o amor fraterno para com todos os nossos semelhantes.

7. Temor de Deus: Esse é o dom que nos ensina a respeitar a Deus no seu mistério profundo, inatingível a nossa limitada compreensão. Não significa ter medo de Deus, como muito podem imaginar, mas amá-lo sobre todas as coisas, porém, cientes de que nunca o amaremos como Ele merece. O temor de Deus nos faz reconhecê-lo como ser supremo, insondável, ao mesmo tempo acessível e inacessível. Acessível no sentido de que Ele está sempre do nosso lado, sempre pronto a socorrer-nos nas nossas reais necessidades, porém inacessível na compreensão de seus mistérios. Assim, o dom do temor é o dom da prudência e da humildade. Prudência em lidar com as coisas sagradas, respeitando-as como extensão dos mistérios divinos, humildade em reconhecer nossos limites diante da grandeza de Deus. O dom do temor de Deus nos ensina a não fazer de Deus um mero cumpridor das nossas vontades. Teme verdadeiramente a Deus aquele que consegue concebê-lo além dos limites da sua compreensão. Temer a Deus é ter conciência que a nossa inteligência, por mais aguçada que seja, jamais vai poder desvendar os seus mistérios. O temor de Deus nos coloca no nosso lugar enquanto criaturas. Seres dotados de dons e talentos, virtudes capazes de fazer grandes coisas, muito mais do que imaginamos, porém nada que supere a capacidade do criador.

AS VIRTUDES
Virtude é algo que está relacionado à coisa boa. É uma qualidade que a pessoa possui e que está conformada com o que é considerado correto, desejável, enfim, bom. Há uma conformidade entre a virtude e o bem. A virtude não é algo que, necessariamente nascemos com ela, mas pode ser adquirida ao longo da nossa vida. A virtude é algo passível de se manifestar em qualquer ser humano e o meio social tem grande influência nisso, mas não é o único fator. Há também virtudes que são inatas, isto é, pessoas que já nascem com tendências para as boas ações, mesmo que tenham vivido a maior parte de sua via em ambientes poucos propícios para as virtudes. As pessoas virtuosas são aquelas que desenvolvem capacidades que possibilitam que seus objetivos sejam atingidos, mesmo que para isso tenham que vencer muitos obstáculos. Como os dons, as virtudes também estão agrupadas em sete, das quais quatro são virtudes cardeais e três são virtudes teologais. As virtudes cardeais ou morais são: a prudência, a justiça, a fortaleza e a temperança. São, portanto, virtudes adquiridas humanamente. Elas nascem dos atos moralmente bons. São fundamentais para que a pessoa comungue do amor divino. As demais virtudes, as teologais, que são a fé, a esperança e a caridade, se agrupam em torne das cardeais. Há uma estreita relação entre elas, formando um todo. São as virtudes que nos ajudam ver o mundo e as coisas naquilo que elas têm de humano e divino.

1. Fé: A fé é uma virtude teologal porque é algo que independe de nós, vem de Deus. Ninguém escolher ter fé ou não. Ela vem de modo inexplicável e, sem que percebamos, comanda nossas ações. Como num barco, onde o capitão está no leme, guiando-o no rumo certo, a pessoa de fé tem tanta confiança de que quem está no leme de sua vida é Deus, que se entrega totalmente em suas mãos e deixa que Ele vá conduzindo-a para os rumos que desejar. Isso não quer dizer que a pessoa de fé não tem vontades ou iniciativas próprias, mas que sabe conformar sua vida na vontade de Deus. Quem tem fé sabe que a sua vontade deve ser à vontade de Deus e, assim, se esforça para que haja concordância entre elas. Fé é a confiança absoluta que depositamos em Deus sem, necessariamente, fundamentá-la em argumentos racionais, é o mesmo que crença. É acreditar piamente e direcionar suas ações e buscas em prol daquilo que se crê. Ela é a fonte e o centro de toda a vida religiosa. A fé exige empenho, dedicação e, sobretudo, perseverança. Quem tem fé sabe que o tempo de Deus não é o seu tempo. Viver da fé, e com fé, é não se preocupar com a quantificação da vida, isto é, com quanto tempo ainda nos resta, mas com a sua qualificação, procurando viver com qualidade, viver bem. Uma demonstração de fé é não desistir dos sonhos só porque eles não se realizaram no tempo desejado. É não desistir diante dos obstáculos, da aridez das situações, mesmo que elas pareçam intransponíveis. É saber que nem tudo o que se enfrenta pode ser modificado, mas nada pode ser modificado até que seja enfrentado. Fé é perseverar na busca, apesar dos contratempos. Enfim, a fé é um dado que mobiliza, tira-nos do comodismo, da apatia e do suposto marasmo da vida. Quem acredita age. Quem tem fé é perseverante e não desiste de lutar, mesmo que o esperado pareça impossível aos olhos humanos. A fé nos dá esperança.

2. Esperança: A esperança é algo fundamental na vida de qualquer ser humano. Quem perde a esperança, perde o sentido da vida. Esperança é um sentimento de quem vê como possível à realização daquilo que deseja, ela é a motivadora das buscas. Semelhante a fé, a esperança é também uma virtude teologal e isso significa que não é algo simplesmente humano, mas tem a ver com Deus e sua graça. Desse modo, a esperança, enquanto virtude, nos faz vislumbrar a eternidade, a vida além da morte, o Reino dos Céus. Falar de esperança é dizer a importância que o futuro tem na nossa vida. Um futuro de felicidade, que todos desejamos. A confiança em Deus e na sua promessa de felicidade é que garantem essa certeza que mobiliza o nosso presente e que nos faz, como Abraão, esperar contra toda esperança (Rm 4, 18).

3. Caridade: Caridade é a terceira e última virtude teologal. Ela conduz as pessoas ao amor ao próximo e a Deus. Caridade é, portanto, sinônimo de amor. Não é por acaso que muitas traduções da primeira carta de Paulo aos Coríntios, capítulo 13, traz a caridade como sinônimo de amor, de doação total. Caridade não significa apenas partilha, distribuição dos bens. Posso fazer isso e não estar sendo caridoso no verdadeiro sentido da palavra. Caridade envolve amor, partilha não somente daquilo que está sobrando na minha casa e na minha vida, mas partilha do essencial, daquilo que eu também necessito ou vou necessitar. Doar o que está sobrando é fácil e pode servir apenas para aliviar a consciência, ou para desocupar espaços, nos livrar daquilo que não nos serve mais, enfim, para uma série de situações que não configuram propriamente caridade. Vemos em Mateus (9, 13) que Deus quer misericórdia, caridade e não sacrifício. Portanto, de nada adianta distribuir nossos bens aos famintos e entregar o nosso corpo as chamas se não tivermos misericórdia em nosso coração (1Cor 13, 3). Quais são os sinais que acompanham quem vive a virtude da caridade? Quem é possuidor da virtude da caridade é paciente. Sabe esperar o tempo certo e não se irrita por qualquer motivo. É prestativo, estando sempre pronto para ajudar a todos, principalmente quem mais necessita. Não é uma pessoa invejosa, mas se alegrar com o sucesso do outro. Ri com o outro e não do outro. Não é uma pessoa que vive ostentando riquezas, títulos ou qualquer outro bem deste mundo, mas sabe ser humilde, mesmo que tenha muitos dons e qualidades. Sendo rica, não se apega a sua riqueza, sendo pobre, não faz de sua pobreza um motivo que a inferiorize perante os demais. Tendo posses, cargos ou qualquer outro bem, não se incha de orgulho. Tem bom senso, sabe discernir as coisas e situações, não sendo nunca uma pessoa inconveniente. Tem a palavra e a atitude certa na hora certa. Quem tem a virtude da caridade não procura seu próprio interesse, mas está sempre pronto a satisfazer as necessidades do outro. Mesmo diante das dificuldades, dos desafios, das inúmeras coisas que a entristece, não se irrita, não guarda rancor dos que o magoam. Sofre com as injustiças e não mede esforços para ver a justiça acontecer. A caridade não é uma coisa passageira. A pessoa possuidora dessa virtude sabe que ela o acompanhará para sempre.

4. Prudência: Prudência é uma virtude cardeal, isto é, uma virtude adquirida pelos nossos esforços. É a virtude que faz prever as situações e evita as inconveniências e os perigos. Assim, prudência é o mesmo que cautela, precaução. Quem é prudente sabe manter-se calmo, pondera as coisas antes de falar ou de agir, é sensato e tem paciência ao tratar de assuntos delicados e difíceis. A pessoa prudente é uma pessoa sábia porque prudência e sabedoria andam lado a lado. A prudência é uma grande aliada da sabedoria.Toda pessoa sábia é prudente, por isso suas decisões são acertadas. Além disso, as pessoas prudentes são, geralmente, boas administradoras enquanto que as imprudentes correm mais risco, erram mais na forma de administrar e, conseqüentemente, sofrem com mais freqüência, prejuízos. Em muitas situações, a imprudência pode custar à vida. É o que ocorre no trânsito. O motorista prudente corre menor risco enquanto o imprudente tem muito mais chance de sofrer um acidente e até perder a vida. Desse modo, vemos o quanto à prudência é decisiva em nossa vida. É uma virtude valiosa porque preserva-nos de muitos perigos e garantem uma vida mais segura. A pessoa prudente age com sagacidade, tendo discernimento de todos os seus atos. Ser prudente é pensar antes de falar e de agir. A probabilidade de dizer a palavra certa na hora certa e obter bons resultados na ação é muito maior quando se pensa no que se vai dizer e planeja as ações. Ter autodomínio e equilíbrio em tudo que se faz são características que revelam a prudência. É importante não confundir prudência com insegurança, timidez ou medo. Prudência é lucidez. É aquela virtude que indica a regra e a medida certa das coisas. Enfim, quem age com prudência dificilmente erra, ou erra menos, porque calcula antes de agir. A pessoa verdadeiramente prudente não diz tudo quanto pensa, mas pensa tudo quanto diz. A pessoa prudente faz o que pode e sabe o que pode fazer.

5. Justiça: A justiça, além de uma virtude cardeal, é uma virtude moral. Consiste, em primeiro lugar, na vontade constante e firme de dar a Deus e ao próximo o que lhes é devido, afirma o Catecismo da Igreja (n. 1807). O fruto da justiça será paz, afirma o profeta Isaías (32, 17). Se não houver justiça, a paz não é verdadeira. Não é possível viver em paz quando irmãos nossos, às vezes bem perto de nós, sofrem as conseqüências da injustiça, como o desemprego, a miséria, a fome e as inúmeras carências (moradia, saúde, educação, etc.). Justiça, como virtude, é respeitar os direitos de cada um e estabelecer nas relações humanas a harmonia que promove a equidade em prol das pessoas e do bem comum. O primeiro passo para saber se somos justo é ver se temos facilidades para corrigir nossos pensamentos. Nem sempre as coisas que imaginamos serem corretas, são, de fato, corretas. Equivocar-se é humano, o que não é justo é querer permanecer com pensamentos equivocados. Através da conduta para com o próximo se percebe uma pessoa justa. Ser imparcial no julgamento das coisas, sem buscar favorecer ninguém, a não ser a justiça, é característica do justo. Se queremos a justiça de Deus, devemos ser justos para com nossos irmãos. Essa é uma concepção teológica de justiça, em que as relações se pautam em valores transcendentes, valores que estão além do horizonte de nossa visão, mas que determinam relações aqui e agora. A justiça é um dos fundamentos da vida social. Não é possível viver com dignidade numa sociedade onde não haja justiça. A justiça, para ser completa, há que vir aliada de uma outra virtude, a caridade. Justiça e caridade são fundamentos morais de qualquer vida social. São virtudes que regem diretamente as relações humanas. Elas são essenciais para a solução dos problemas sociais.

6. Fortaleza: A virtude da fortaleza nos dá segurança nas dificuldades, firmeza e constância na procura do bem, afirma o Catecismo da Igreja (n. 1808). Quem exercita essa virtude em sua vida, consegue atravessar os momentos difíceis porque, apesar da situação de vulnerabilidade que as dificuldades nos colocam, encontramos dentro de nós uma força inexplicável que não nos deixa abater pela dificuldade. Ser firme é uma estratégia que muito ajuda nestas situações e é essa firmeza que não nos deixa esmorecer na busca do bem. Sabemos que o bem não é algo fácil de se atingir, há muitos obstáculos, muitas pessoas e situações que tentam nos desviar do caminho do bem. Nessas ocasiões, ser firme e constante é fundamental. O bem não é algo que se busque apenas em alguns momentos de nossa vida. Tem que ser a meta principal. Por isso, todo empenho é necessário. A virtude da fortaleza nos torna capazes de vencer o medo, inclusive o medo da morte, afirma o Catecismo (n. 1808), além de ajudar a suportar as provações e as perseguições, dando-nos coragem para agir com desenvoltura, mesmo que as ciladas sejam tentadoras. A virtude da fortaleza é a virtude que nos dispõe a aceitar até a renúncia e o sacrifício da própria vida para defender uma causa justa, diz o Catecismo da Igreja (n. 1808). Quem é possuidor desta virtude sabe fazer renúncias, desde aquelas que aparecem no cotidiano de nossa vida, tida como menores, até as grandes renúncias, como a renúncia da própria vida em nome de uma causa maior. A virtude da fortaleza nos capacita a fazer todo tipo de renúncias, desde que o fim seja um bem supremo. A fortaleza, como virtude, embora seja algo humano, vem de Deus. É ele que nos encoraja, nos torna fortes mesmo quando somos fracos.

7. Temperança: Temperança é a qualidade ou virtude de quem é moderado, comedido. É a virtude moral que modera a atração pelos prazeres e procura o equilíbrio no uso dos bens criados, afirma o Catecismo da Igreja (n. 1809). É algo sintonizado com o intelecto, com a razão, é o que nos dá a medida certa nas nossas ações. É a virtude que nos faz distintos dos animais, fazendo com que administremos bem os nossos sentimentos, nossas vontades, colocando cada coisa no seu devido lugar. Para entender melhor como funciona a temperança, basta entender como funciona o seu oposto, o instinto. Administramos essas necessidades de modo que elas sejam vividas de modo equilibrado, temperado, isto é, que tenhamos sobriedade, austeridade, manifestando de modo atenuado os desejos inerentes a nossa espécie. Daí a palavra temperança. Ela nos faz viver de modo harmonioso conosco mesmo e com os outros, possibilitando um convívio social pacífico e equilibrado. É a virtude que coloca nossa vida no prumo, dando a proporção certa para cada coisa. Pessoas que fazem uso adequado desta virtude são pessoas comedidas, discretas, que sabem dosar as coisas, deixando a vida no ponto certo, isto, temperada. Ela sabe a proporcionalidade dos sentimentos e os vive de modo adequado. Quem não faz uso dessa virtude, leva uma vida desenfreada, sem controle, tornado-se, portanto, pessoas angustiadas e infelizes. Boa parte dos sofrimentos humanos deriva da ausência dessa virtude. A função da virtude da temperança é proporcionar esta constância. Vemos, assim, a estreita relação que existe entre a temperança e as demais virtudes. Ela condiciona indiretamente todas as outras virtudes. Embora todas as outras sejam indispensáveis para que a pessoa possa ser moderada (ou sóbria), a temperança influi diretamente na vivência das demais. Não se pode ser verdadeiramente prudente, nem autenticamente justo, nem realmente forte, quando não se possui a virtude da temperança. O grande desafio, porém, é praticar a todas com equilíbrio, não esquecendo ou negligenciando nenhuma delas, pois todas são necessárias para o bem viver. Nisto consiste o papel da temperança. Uma depende da outra e quem nos dá essa visão de conjunto é a temperança. Enfim, a virtude da temperança vem completar o conjunto das quatro virtudes cardeais, pondo limites no nosso agir.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Racionalidade da fé em Deus


Quarta-feira, 21 de novembro de 2012
Queridos irmãos e irmãs,

Avançamos neste Ano da Fé, trazendo em nosso coração a esperança de redescobrir quanta alegria tem no crer e de reencontrar o entusiasmo de comunicar a todos a verdade da fé. Estas verdades não são uma simples mensagem sobre Deus, uma particular informação sobre Ele. Expressam, ao invés disso, o evento do encontro de Deus com os homens, encontro salvífico e libertador, que realiza as aspirações mais profundas do homem, e seus desejos de paz, de fraternidade, de amor. A fé leva a descobrir que o encontro com Deus valoriza, aperfeiçoa e eleva quanto de verdade, de bom e de belo tem no homem. Acontece que, enquanto Deus se revela e se deixa conhecer, o homem vem a saber quem é Deus e, conhecendo-O, descobre a si mesmo, a própria origem, o próprio destino, a grandeza e a dignidade da vida humana. 

A fé permite um saber autêntico sobre Deus que envolve toda a pessoa humana: é um “saber”, isto é, um conhecer que doa sabor à vida, um gosto novo de existir, um modo alegre de estar no mundo. A fé se exprime no doar a si mesmo para os outros, na fraternidade que faz solidariedade, capaz de amar, vencendo a solidão que deixa triste. Este conhecimento de Deus através da fé não é por isso somente intelectual, mas vital. É o conhecimento de Deus-Amor, graças ao seu próprio amor. O conhecimento de Deus é, portanto, experiência de fé e implica, ao mesmo tempo, um caminho intelectual e moral. 

Hoje nesta catequese gostaria de me concentrar sobre a racionalidade da fé em Deus. A tradição católica desde o início rejeitou o assim chamado fideísmo, que é a vontade de crer contra a razão. Creio quia absurdum (creio porque é absurdo) não é fórmula que interpreta a fé católica. Deus, na verdade, não é absurdo, mas sim é mistério. O mistério, por sua vez, não é irracional, mas uma superabundância de sentido, de significado, de verdade. Se, olhando para o mistério, a razão vê escuridão, não é porque no mistério não tenha a luz, mas porque existe muita (luz). Assim como quando os olhos do homem se dirigem diretamente ao sol para olhá-lo, veem somente trevas; mas quem diria que o sol não é luminoso, antes a fonte da luz? A fé permite olhar o “sol”, Deus.

A fé constitui um estímulo a buscar sempre, a não parar nunca e nunca aquietar-se na descoberta inesgotável da verdade e da realidade. Intelecto e fé não são estranhas ou antagonistas, mas são ambas duas condições para compreender o sentido.
A fé católica é, portanto, racional e nutre confiança também na razão humana. No irresistível desejo de verdade, só um harmonioso relacionamento entre fé e razão é a estrada certa que conduz a Deus e à plena realização de si. 

Sobre essas premissas acerca da ligação fecunda entre compreender e crer, funda-se também o relacionamento virtuoso entre a ciência e a fé. A pesquisa científica leva ao conhecimento da verdade sempre novas sobre o homem e sobre o cosmos. Deve, portanto, ser encorajada, por exemplo, as pesquisas colocadas à serviço da vida e que visam erradicar as doenças. Importantes são também as investigações para descobrir os segredos do nosso planeta e do universo, na consciência de que o homem está no vertical da criação não para explorá-la sem sentido, mas para protegê-la e torná-la habitável. Assim, a fé, vivida realmente, não entra em conflito com a ciência, mas coopera com essa, oferecendo critérios basilares para que promova o bem de todos. 

Confiemos, então, que o nosso empenho na evangelização ajude a dar nova centralidade ao Evangelho na vida de tantos homens e mulheres do nosso tempo. E rezemos para que todos redescubram em Cristo o sentido da existência e o fundamento da verdadeira liberdade: sem Deus, de fato, o homem perde a si mesmo. Os testemunhos de quantos nos antecederam e dedicaram a sua vida ao Evangelho o confirmam para sempre. É racional crer, está em jogo a nossa existência. Vale a pena se gastar por Cristo, somente Ele satisfaz os desejos de verdade e de bem enraizados na alma de cada homem: ora, no tempo que passa, e no dia sem fim da Eternidade bem aventurada. 

Caminhos para conhecer a Deus



Quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Caros irmãos e irmãs,

Quarta-feira passada refletimos sobre o desejo de Deus que o ser humano traz consigo no profundo de si mesmo. Hoje gostaria de continuar a aprofundar este aspecto meditando brevemente com vocês sobre algumas vias para chegar à consciência de Deus. Gostaria de recordar, no entanto, que a iniciativa de Deus antecede sempre cada iniciativa do homem e, também no caminho para Ele, é Ele primeiro que nos ilumina, nos orienta e nos guia, respeitando sempre a nossa liberdade. E é sempre Ele que nos faz entrar na sua intimidade, revelando-se e doando-nos a graça para poder acolher esta revelação na fé. Não esqueçamos nunca a experiência de Santo Agostinho: não somos nós a possuir a Verdade depois de tê-la procurado, mas é a Verdade que nos procura e nos possui. 

Todavia há algumas vias que podem abrir o coração do homem ao conhecimento de Deus, há sinais que conduzem para Deus. Deus, porém, não se cansa de procurar-nos, porque nos ama. Esta é uma verdade que deve nos acompanhar cada dia, também se certas mentalidades propagadas tornam mais difícil à Igreja e ao cristão comunicar a alegria do Evangelho a cada criatura e conduzir todos ao encontro com Jesus, único Salvador do mundo. Esta, porém, é a nossa missão. 

Hoje, o sabemos, não faltam dificuldades e provações para a fé, muitas vezes mal compreendida, contestada, rejeitada. São Pedro dizia aos seus cristãos: “Estejam sempre prontos a responder, mas com doçura e respeito, a quem lhe pede a esperança que está em vossos corações”. No passado, no Ocidente, em uma sociedade considerada cristã, a fé era o ambiente em que tudo acontecia; a referência e a adesão a Deus eram, para a maioria das pessoas, parte da vida cotidiana. Pelo contrário, aquele que não acreditava precisava justificar a própria descrença. No nosso mundo, a situação mudou e sempre mais aquele que crê precisa ser capaz de dar razão da sua fé.

A partir do Iluminismo, a crítica à religião intensificou-se; a história foi marcada também pela presença de sistemas ateus, nos quais Deus era considerado uma mera projeção da alma humana, uma ilusão e o produto de uma sociedade já distorcida por tantas alienações. O século passado conheceu um forte processo de secularismo, em nome da autonomia absoluta do homem, considerado como medidor e artífice da realidade, mas empobrecido do seu ser criatura, “à imagem e semelhança de Deus". Nos nossos tempos, verificou-se um fenômeno particularmente perigoso para a fé: existe, de fato, uma forma de ateísmo que definimos, precisamente, “prático”, no qual não se negam a verdade da fé ou os ritos religiosos, mas simplesmente são considerados irrelevantes para a existência cotidiana, destacados da vida, inúteis. Muitas vezes, então, acredita-se em Deus de modo superficial e se vive “como se Deus não existisse” (etsi Deus non daretur). No final, porém, este modo de viver resulta ainda mais destrutivo, porque leva à indiferença para com a fé e a questão de Deus. 

Obscurecendo a referência a Deus, obscureceu-se também o horizonte ético. Se Deus perde a centralidade, o homem perde o seu lugar certo, não encontra mais a sua colocação na criação, nas relações com os outros. A sabedoria antiga evoca com o mito de Prometeu: o homem acha que pode tornar-se a si mesmo “deus”, mestre da vida e da morte. 

Diante deste quadro, a Igreja, fiel ao mandato de Cristo, não cessa nunca de afirmar a verdade sobre o homem e sobre o seu destino. O Concílio Vaticano II afirma sinteticamente: “A maior razão da dignidade do homem consiste em sua vocação à comunhão com Deus. Desde o nascimento, o homem é convidado ao diálogo com Deus: não existiria, na verdade, se não fosse criado pelo amor de Deus, por Ele sempre é conservado por amor, nem vive plenamente segundo a verdade se não O reconhece livremente e não se confia ao seu criador.” (Cost. Gaudium et spes, 19).

Que respostas, então, é chamada a dar a fé, com “doçura e respeito”, ao ateísmo, ao ceticismo, à indiferença? Gostaria de resumir para vocês muito sinteticamente em três palavras: o mundo, o homem, a fé. 

A primeira: o mundo. Penso que devemos recuperar e fazer recuperar ao homem de hoje a capacidade de contemplar a criação, a sua beleza, a sua estrutura. O mundo não é um magma disforme, mas quanto mais o conhecemos,  mais vemos que tem uma inteligência criadora. Uma primeira via, então, que conduz à descoberta de Deus é o contemplar com olhos atentos a criação. 

A segunda palavra: o homem. Este é um outro aspecto que nós corremos o risco de perder no mundo barulhento e distraído em que vivemos: a capacidade de parar e olhar em profundidade para nós mesmos e ler esta sede de infinito que trazemos dentro, que nos impele a andar além e refere-se a Alguém que possa preenchê-la.

A terceira palavra: a fé. Sobretudo na realidade do nosso tempo, não devemos esquecer que um caminho que conduz ao conhecimento e ao encontro com Deus é o caminho da fé. Quem crê está unido a Deus, está aberto à sua graça, à força da caridade. Assim a sua existência torna-se testemunha não de si mesmo, mas do Ressuscitado, e a sua fé não tem medo de mostrar-se na vida cotidiana, é aberta ao diálogo que exprime profunda amizade para o caminho de cada uma, e sabe abrir luzes de esperança à necessidade de redenção, de felicidade, de futuro.

A fé, de fato, é encontro com Deus que fala e opera na história e que converte a nossa vida cotidiana, transformando em nós a mentalidade, juízos de valor, escolhas e ações concretas. Não é ilusão, fuga da realidade, refúgio confortável, sentimentalismo, mas é implicação de toda a vida e é anúncio do Evangelho, Boa Notícia capaz de libertar todos os homens.
Um cristão, uma comunidade que seja diligente e fiel ao projeto de Deus que nos amou primeiro, constitui uma via privilegiada para aqueles que estão na indiferença ou na dúvida acerca da sua existência e da sua ação. Isto, porém, pede a cada um para tornar sempre mais transparente o próprio testemunho de fé, purificando a própria vida para que seja conforme Cristo.
Hoje muitos têm compreensão limitada da fé cristã, porque a identificam como um mero sistema de crença e de valores e não tanto com a verdade de um Deus revelada na história. Na realidade, o fundamento de cada doutrina ou valor tem o acontecimento do encontro entre o homem e Deus em Cristo Jesus. O Cristianismo, antes que uma moral ou uma ética, é caso de amor, é o acolher a pessoa de Jesus. Por isto, o cristão e a comunidade cristã devem antes de tudo olhar e fazer olhar para Cristo, verdadeiro caminho que conduz a Deus. Obrigado. 

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

O que pode realmente satisfazer o desejo do ser humano?


O caminho de reflexão que estamos fazendo juntos neste Ano da Fé nos leva a meditar hoje sobre um aspecto fascinante da experiência humana e cristã: o homem traz consigo um misterioso desejo de Deus. De modo muito significativo, o Catecismo da Igreja Católica inicia com a seguinte consideração: “O desejo de Deus está inscrito no coração do homem, porque o homem foi criado por Deus e para Deus; e Deus não cessa de atrair para si o homem e somente em Deus o homem encontrará a verdade e a felicidade que busca sem parar” (n27).
O desejo humano tende sempre a determinados bens concretos, frequentemente outros que não o espiritual, e ainda se encontra diante da interrogação sobre o que realmente é “o” bem, e então a se confrontar com qualquer coisa fora de si, que o homem não pode construir, mas é chamado a reconhecer.
Através do amor, o homem e a mulher experimentam de um modo novo a grandeza e a beleza da vida. Quanto mais autêntico é o amor pelo outro, mais isso deixa em aberto a interrogação sobre sua origem e seu destino, sobre a possibilidade que há de durar para sempre. Assim, a experiência humana do amor tem em si um dinamismo que leva além de si mesma, é experiência de um bem que leva a sair de si e encontrar-se diante de um mistério que envolve toda a existência.
Considerações análogas poderiam ser feitas também a propósito de outras experiências humanas, como a amizade, a experiência do belo, o amor pelo conhecimento: cada bem experimentado pelo homem conduz em direção ao mistério que envolve o próprio homem; cada desejo que se aproxima do coração humano se faz eco de um desejo fundamental que jamais será plenamente satisfeito. 
Deste ponto de vista surge o mistério: o homem é um buscador do Absoluto, um buscador a passos pequenos e incertos. E, todavia, a experiência do desejo, do “coração inquieto” como o chamava Santo Agostinho, já é significativa. Isso atesta que o homem é, no fundo, um ser religioso (cfr Catecismo da Igreja Católica, 28), um “mendigo de Deus”. Podemos dizer com as palavras de Pascal: “O homem supera infinitamente o homem” (Pensamentos, Ed Chevalier 438; Ed Brunschvicg 434). Os olhos reconhecem os objetos quando estes são iluminados pela luz. Daí o desejo de conhecer a mesma luz, que faz brilhar as coisas do mundo e com essa acende o sentido da beleza.
Devemos, portanto, levar em consideração que é possível também na nossa época, aparentemente muito refratária à dimensão transcendente, abrir um caminho em direção ao autêntico sentido religioso da vida, que mostra como o dom da fé não é absurdo, não é irracional. 
Educar desde a infância a saborear as verdadeiras alegrias, em todos os âmbitos da existência – a família, a amizade, a solidariedade com quem sofre, a renuncia ao próprio eu para servir ao outro, o amor pelo conhecimento, pela arte, pela beleza da natureza-, tudo isso significa exercitar o gosto interior e produzir anticorpos eficazes contra a banalização e o abatimento hoje difundidos. Os adultos também precisam redescobrir esta alegria, de desejar realidades autênticas.
Todos, aliás, precisamos percorrer um caminho de purificação e de cura do desejo. Somos peregrinos em direção à pátria celestial, em direção ao bem pleno, eterno, que nada jamais nos poderá tirar. Não se trata, portanto, de sufocar o desejo que está no coração do homem, mas de libertá-lo, para que possa alcançar a sua verdadeira altura. Quando no desejo se abre a janela em direção a Deus, isto já é um sinal da presença da fé na alma, fé que é graça de Deus. Santo Agostinha sempre afirmava: “Com a expectativa, Deus fortalece o nosso desejo, com o desejo alarga a nossa alma e dilatando-o deixa-o mais capaz” (Comentário da Primeira cata de João, 4, 6: PL 35, 2009).
Rezemos, neste Ano da fé, para que Deus mostre a sua face a todos aqueles que o buscam com coração sincero.
Catequese do dia 7 de novembro de 2012 – Fonte: Zenit

É na comunidade eclesial que a fé pessoal cresce e amadurece



Hoje gostaria de dar outro passo em nossa reflexão, começando mais uma vez, por algumas perguntas: a fé tem um caráter somente pessoal, individual? Interessa somente a minha pessoa? Vivo a minha fé sozinho? Certo, o ato de fé é um ato eminentemente pessoal, que vem do íntimo mais profundo e sinaliza uma troca de direção, uma conversão pessoal: é a minha existência que recebe uma mudança, uma orientação nova.
Este meu crer não é resultado de uma reflexão minha, solitária, não é o produto de um pensamento meu, mas é fruto de uma relação, de um diálogo, no qual tem um escutar, um receber e um responder; é o comunicar com Jesus que me faz sair do meu “eu” fechado em mim mesmo para abrir-me ao amor de Deus Pai. 
Não posso construir a minha fé pessoal em um diálogo privado com Jesus, porque a fé é doada a mim por Deus através de uma comunidade que crê que é a Igreja e me insere assim na multidão dos crentes em uma comunhão que não é somente sociológica, mas enraizada no amor eterno de Deus, que em Si mesmo é comunhão do Pai, do Filho e do Espírito Santo, é Amor trinitário. A nossa fé é realmente pessoal, somente se é também comunitária: pode ser a minha fé somente se vive e se move no “nós” da Igreja, só se a nossa fé é, a fé comum da única Igreja.
Aos domingos, na Santa Missa, recitando o “Credo”, nós nos expressamos em primeira pessoa, mas confessamos comunitariamente a única fé da Igreja. Aquele “credo” pronunciado singularmente nos une àquele de um imenso coro no tempo e no espaço, no qual cada um contribui, por assim dizer, a uma harmoniosa polifonia na fé. O Catecismo da Igreja Católicaresume de modo claro assim: “‘Crer’ é um ato eclesial. A fé da Igreja antecede, gera, sustenta e nutre a nossa fé. A Igreja é a Mãe de todos os crentes. ‘Ninguém pode dizer que tem Deus como Pai, se não tem a Igreja como Mãe’ [são Cipriano]” (n. 181). Então, a fé nasce na Igreja, conduz a essa e vive nessa. Isso é importante recordar. 
A Igreja, portanto, desde o início é o lugar da fé, o lugar da transmissão da fé, o lugar onde, pelo Batismo, se é imersa no Mistério Pascal da Morte e Ressurreição de Cristo, que nos liberta da escravidão do pecado, nos doa a liberdade de filhos e nos introduz da comunhão com o Deus Trinitário. Ao mesmo tempo, somos imersos na comunhão com os outros irmãos e irmãs de fé, com todo o Corpo de Cristo, retirados do nosso isolamento.
Na liturgia do Batismo, notamos que, na conclusão das promessas em que expressamos a renúncia ao mal e repetimos “creio” na verdade da fé, o celebrante declara: “Esta é a nossa fé, esta é a fé da Igreja e nós nos glorificamos de professá-la em Cristo Jesus Nosso Senhor”. A fé é virtude teologal, doada por Deus, mas transmitida pela Igreja ao longo da história. 
Gostaria, por fim, de ressaltar que é na comunidade eclesial que a fé pessoal cresce e amadurece. A tendência, hoje difundida, de relegar a fé ao âmbito privado, contradiz então, a sua própria natureza. Nós precisamos da Igreja para ter a confirmação da nossa fé e para ter experiência com os dons de Deus: a Sua Palavra, os Sacramentos, o sustento da graça e o testemunho do amor. Assim, o nosso "eu" no "nós" da Igreja poderá ser percebido, ao mesmo tempo, destinatário e protagonista de um evento que o supera: a experiência da comunhão com Deus, que estabelece a comunhão entre as pessoas. Em um mundo onde o individualismo parece regular as relações entre as pessoas, tornando-as sempre mais frágeis, a fé nos chama a ser povo de Deus, a ser Igreja, portadores do amor e da comunhão de Deus para todo gênero humano.
Catequese do dia 31 de outubro de 2012 – fonte: Zenit

O que significa crer, hoje?



Quarta-feira passada, com o início do Ano da Fé, comecei uma nova série de catequeses sobre a fé. E hoje gostaria de refletir com vocês sobre uma questão fundamental: o que é a fé? Ainda há um sentido para a fé em um mundo cuja ciência e a técnica abriram horizontes até pouco tempo impensáveis? O que significa crer hoje? De fato, no nosso tempo é necessária uma renovada educação para a fé, que inclua um conhecimento das suas verdades e dos eventos da salvação, mas que sobretudo nasça de um verdadeiro encontro com Deus em Jesus Cristo, de amá-lo, de confiar Nele, de modo que toda a vida seja envolvida. 
Nós precisamos não apenas do pão material, precisamos de amor, de significado e de esperança, de um fundamento seguro, de um terreno sólido que nos ajude a viver com um senso autêntico também nas crises, na escuridão, nas dificuldades e nos problemas cotidianos. A fé nos dá exatamente isto: é um confiante confiar em um “Tu”, que é Deus, o qual me dá uma certeza diferente, mas não menos sólida daquela que me vem do cálculo exato ou da ciência. A fé não é um simples consentimento intelectual do homem e da verdade particular sobre Deus; é um ato com o qual confio livremente em um Deus que é Pai e me ama; é adesão a um “Tu” que me dá esperança e confiança.
Com o Mistério da Morte e Ressurreição de Cristo, Deus desce até o fundo na nossa humanidade para trazê-la de volta a Ele, para elevá-la à sua altura. A fé é crer neste amor de Deus que não diminui diante da maldade do homem, diante do mal e da morte, mas é capaz de transformar cada forma de escravidão, dando a possibilidade da salvação.Ter fé, então, é encontrar este “Tu”, Deus, que me sustenta e me concede a promessa de um amor indestrutível que não só aspira à eternidade, mas a doa; é confiar-se em Deus como a atitude de uma criança, que sabe bem que todas as suas dificuldades, todos os seus problemas estão seguros no “Tu” da mãe. E esta possibilidade de salvação através da fé é um dom que Deus oferece a todos os homens.
nós podemos crer em Deus porque Ele se aproxima de nós e nos toca, porque o Espírito Santo, dom do Ressuscitado, nos torna capazes de acolher o Deus vivo. A fé então é primeiramente um dom sobrenatural, um dom de Deus.O Concílio Vaticano II afirma: “Para que se possa fazer este ato de fé, é necessária a graça de Deus que previne e socorre, e são necessários os auxílios interiores do Espírito Santo, o qual mova o coração e o volte a Deus, abra os olhos da mente, e doe ‘a todos doçura para aceitar e acreditar na verdade’” (Cost. dogm. Dei Verbum, 5). Na base do nosso caminho de fé tem o Batismo, o sacramento que nos doa o Espírito Santo, fazendo-nos tornar filhos de Deus em Cristo, e marca o ingresso na comunidade de fé, na Igreja: não se crê por si próprio, sem a vinda da graça do Espírito; e não se crê sozinho, mas junto aos irmãos. A partir do Batismo cada crente é chamado a re-viver e fazer própria esta confissão de fé, junto aos irmãos. 
A fé é dom de Deus, mas é também ato profundamente livre e humano. O Catecismo da Igreja Católica o diz com clareza: “É impossível crer sem a graça e os auxílios interiores do Espírito Santo. Não é, portanto, menos verdade que crer é um ato autenticamente humano. Não é contrário nem à liberdade e nem à inteligência do homem” (n. 154). A fé, então, é um consentimento com o qual a nossa mente e o nosso coração dizem o seu “sim” a Deus, confessando que Jesus é o Senhor. E este “sim” transforma a vida, abre a estrada para uma plenitude de significado, a torna nova, rica de alegria e de esperança confiável. 
Catequese do dia 24 de outubro de 2012 – Fonte: Zenit