segunda-feira, 19 de março de 2012

A Homilia

 
            Homilia significa conversa familiar e trata-se de um discurso religioso que explica e atualiza a Palavra de Deus em beneficio da comunidade celebrante. Ela é o elemento essencial da celebração judaica e das religiões dela derivadas.
            Há também outras maneiras de celebração da Palavra como a cantata luterana e as composições de J. S. Bach, G. F. Haendel e J. Brahms que são verdadeiras homilias musicais. Com o Vaticano II houve uma verdadeira explosão de cânticos bíblicos. Há também as realizações da estatuaria e dos vitrais, que transformaram as catedrais da Idade Média numa bíblia ilustrada. A Palavra não deve ficar prisioneira das leituras e da homilia, existem outras possibilidades de sua difusão na celebração, como a saudação, as introduções às leituras e ao Pai Nosso, a fórmula de despedida, etc. estas são como que um eco da Palavra de Deus.
            A homilia é a tradução da Palavra de Deus para proveito da comunidade celebrante e o exemplo bíblico mais típico disso é a leitura solene da Lei que Esdras fez aos exilados recém chegados da Babilônia. Com todo o povo reunido na praça “Esdras leu distintamente no livro da Lei de Deus, e explicava a leitura de maneira que se pudesse compreender” (Ne 8, 8). A tradição remonta à comunidade de Neemias a origem do Targum, palavra hebraica que significa tradução. O Targum não é uma réplica da bíblia hebraica, pois se trata de uma tradução interpretativa, temos aqui o começo da homilia.
            O exemplo mais perfeito de homilia como tradução da Palavra é a homilia de Jesus na sinagoga de Nazaré. “Hoje se cumpriu este oráculo que acabais de ouvir” (Lc 4, 21), este “hoje” de Jesus é o centro de toda a homilia, pois a sua finalidade será sempre traduzir a Palavra de Deus mostrando sua atualidade.
            O caminho da tradução da Palavra à sua atualização comporta algumas passagens obrigatórias como a busca do sentido literal, que consiste na procura do significado exato do texto; a busca do sentido cristológico, onde, à luz da ressurreição, somos chamados a descobrir em cada página da Lei, dos Profetas e dos Salmos a face de Jesus (Cf. Lc 24, 44) e, por último, a busca da atualização, que procura encarnar a Palavra de Deus na vida da comunidade, de fato, a homilia começa precisamente quando compreendemos que essa Palavra se cumpriu hoje para nós. Essa estrutura tripartida é fundamental, entretanto, conforme a comunidade ou o texto bíblico será necessário insistir ora no sentido literal, ora no cristológico, ora na atualização.
            Cada vez que a Palavra é proclamada, é preciso atualizá-la. Convém, portanto fazer homilia em cada missa, porém não é necessário que ela seja longa ou fale de todos os textos bíblicos. A homilia não é simplesmente um discurso humano sobre Deus, mas Palavra de Deus ao nível da comunidade que celebra. Oxalá que nossas palavras na homilia se apresentem como uma palavra de Jesus.
            Na bíblia há os mais diversos gêneros literários, o mais antigo é o mito, mas há o histórico documentário, épico e temático, o gênero lírico, didático, jurídico, apocalíptico e o epistolar. Com freqüência eles se misturam enriquecendo-se assim mutuamente. A homilia pode adotar todos os gêneros literários da Palavra que ela atualiza, só lhe é pedido que ela desemboque no que Deus diz hoje à comunidade.
            A homilia que expõe os mistérios da fé a partir do texto sagrado está reservada ao padre e ao diácono. Porém é toda a Igreja – e não somente o sacerdócio ou a hierarquia – que celebra a Palavra e que participa da função profética de cristo, pois Ele confiou a Escritura e sua compreensão à Igreja inteira. Os leigos não se conformam mais em serem destituídos de seu carisma profético. Na verdade a homilia é dever de cada um, pois cada um pode dizer: “Fala, Senhor, que teu servo escuta”.
É preciso, para compreender a Palavra de Deus, a mesma graça que foi necessária para proferi-la e para redigi-la. Nesse sentido deve-se afirmar a necessidade da oração ao Espírito para compreender bem as palavras e poder explicá-las corretamente à comunidade. Por outro lado aquele que escuta a homilia também deveria preparar-se para isso a fim de recebê-la segundo o mesmo Espírito. A homilia vive na oração como o pássaro voa no céu.
Por fim, a dignidade do pregador se baseia sobre a da homilia, ou seja, se esta é Palavra de Deus, o pregador é profeta. Neste ministério convém ser humilde, pois o pregador anuncia a salvação do mundo, mas carrega o peso da sua própria miséria.

Referência:
Deiss, Lucien. A Palavra de Deus Celebrada – Teologia da celebração da Palavra de Deus. Petrópolis: Vozes, 1996. p. 75-108.

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