quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Beatitude

Estou escrevendo minha monografia em São Tomás de Aquino, sobre a origem e a finalidade da moral. O Aquinate diz que o fim ultimo de todas as nossas açoes é a Beatitude, ou seja Deus.
Aqui vai um trecho do meu TCC para voces conferirem:
A beatitude com fim último das ações humanas

Para ser boa a vontade humana há de se conformar com a divina, pois a bondade da vontade depende do fim intencional. Entretanto o fim último da vontade humana é o Sumo Bem, logo e necessariamente a bondade da vontade humana há de se ordenar para Deus, o Sumo Bem.
Falamos que a bondade depende do fim, todavia para o Aquinate “O fim último do homem é a Beatitude” [1] ela versa no último ato do homem. A beatitude consiste essencialmente na união do homem com o Bem incriado, que é o fim último. “Só há um Sumo Bem, que é Deus, por cuja fruição nós somos felizes” [2]. São Tomás estabelece Deus como único objeto beatífico por meio de uma série de eliminações sucessivas: A beatitude não é incriada, não é substância, mas operação espiritual. Logo a beatitude não é uma operação sensível, ou seja, ela é um ato da inteligência e não da vontade. “A beatitude não consiste num ato da vontade, pois querer possuí-la não é tê-la” [3].
A beatitude significa a obtenção do Bem perfeito, logo quem quer que seja capaz de tal bem, pode alcançá-la. O homem pela atividade do intelecto pode inteligir que existe algo superior e que o beatifica, ele acredita que quando alcançar perfeitamente esse supino será feliz. Assim como o intelecto pode apreender o Bem universal e perfeito e a sua vontade pode apetecê-lo, conclui-se que o homem é capaz do Bem perfeito, logo pode alcançar a beatitude.
Porém a natureza intelectual excede a racional quanto ao modo de conhecer o universal, pois aquela apreende imediatamente a verdade, que a natureza racional alcança pela perquirição da razão. [...] Por onde, como a razão pode, movendo-se, alcançar aquilo que o intelecto apreende, conclui-se que a natureza racional pode alcançar a beatitude, que é a perfeição da natureza intelectual[4].
São Tomás de Aquilo expõe que a beatitude se manifesta de modo duplo no homem: Ela é perfeita e imperfeita. A beatitude é perfeita quando realiza a sua verdadeira essência. “A beatitude última e perfeita não pode estar senão na visão da Divina Essência” [5]. A beatitude verdadeira e perfeita se cumpre na comunhão da felicidade divina, compartilhada por aqueles que são animados por essa caridade-amizade.
O Aquinate diz que a beatitude como fim último é a passagem de um amor de cobiça a um amor de amizade (caritas), amor em que eu amo o bem mais que a mim mesmo e no qual se acha o desinteresse necessário a uma atitude moral. “A caridade torna-se, assim, a grande mola da moral tomista” [6].
A beatitude é imperfeita quando não realiza a sua verdadeira essência, mas apenas participa dela. Resumindo: A beatitude perfeita consiste na visão de Deus, e a imperfeita é aquela que conseguimos nesta vida. Com isso podemos afirmar que a beatitude imperfeita pode ser perdida, já a perfeita não, pois, diz São Tomás que, o homem pode passar da miséria (vida terrena) para a felicidade (vida eterna), mas não pode passar da felicidade à miséria [7].
Quanto aos bens externos São Tomás expõe que para a beatitude imperfeita eles servem como instrumentos para que a beatitude possa ser alcançada. Todavia para a beatitude perfeita esses bens não são necessários, já que na visão da essência divina esses instrumentos de nada serviriam.
Quem busca algo deve ter compreensão daquilo que está sendo buscado, senão não há motivação para buscá-lo. Logo a Beatitude exige que o homem tenha apreensão sobre ela. Todavia sabemos que a essência divina não pode ser compreendida pelo intelecto humano, pois o finito não engloba aquilo que é infinito. Porém a Beatitude, fim último no qual o homem se ordena, é um fim inteligível. São Tomás afirma que ela é inteligível em parte pelo intelecto e em parte pela vontade: Pelo intelecto enquanto nele preexiste um conhecimento imperfeito do fim e pela vontade, antes de tudo pelo amor (caritas), que é seu movimento para algum objeto e em segundo lugar pela relação real entre o amante e o amado.
Especificando melhor sobre a beatitude São Tomás de Aquino mostra, copiando a forma silogística de Aristóteles, o que não consiste a beatitude. Ela não versa nas riquezas, uma vez que estas foram feitas para serem gastadas e não acumuladas, sendo que o bem do homem consiste em conservar a beatitude ao invés de dissipá-la. A beatitude não consiste na honra, pois a honra não está em quem é honrado, mas em quem presta a honraria, e a beatitude está em quem é feliz. Ela não consiste na fama e na glória, já que estas podem ser falsas, e a beatitude é o verdadeiro bem do homem. Ela também não consiste no poder, pois este é soberanamente imperfeito e a beatitude é o bem perfeito.
A beatitude não consiste nos bens do corpo, pois por eles o homem é superado pelos animais, por exemplo, pelo leão, na força e pelo elefante, na longevidade de vida. Logo a beatitude não pode consistir nos bens do corpo porque por ela o ser humano é superior sobre todos os animais. Ela não consiste nos prazeres do corpo, e muito menos é um acidente deles, porque estes trazem uma felicidade momentânea e ainda mais tristeza como conseqüência, a beatitude não pode consistir nos prazeres corpóreos, uma vez que ela é a felicidade interminável. São Tomás diz que é impossível a beatitude consistir em algum bem criado porque eles não trazem uma felicidade universal e a beatitude é um bem universal. “Nada pode satisfazer a vontade do homem se não o bem universal” [8].
Por fim, quatro razões gerais podem ser aduzidas para mostrar que em nenhum dos sobreditos bens exteriores pode consistir a beatitude. E a primeira é que, sendo a beatitude o sumo bem do homem, não se compadece com nenhum mal; ora, todos os bens pré enumerados podem-se encontrar tanto nos bons como nos maus. A segunda razão é que, sendo da essência da beatitude bastar-se a si mesma, como se vê em Aristóteles, necessário é que, uma vez alcançada não falte nenhum bem necessário ao homem. [...] A terceira é a seguinte. Sendo a beatitude o bem perfeito, dela não pode provir nenhum mal para ninguém. Ora, isso não se dá com os referidos bens; pois, como diz a Escritura, as riquezas às vezes se conservam para mal de seu dono; e o mesmo se dá com as outras três espécies de bens. A quarta razão é a seguinte. O homem ordenando-se à beatitude naturalmente, ordena-se por princípios interiores; ora, os quatro bens aludidos provêm, antes, de causas exteriores. [...] Por onde é claro que de nenhum modo a beatitude neles consiste. [9]
A retidão da vontade é necessária para a beatitude tanto de modo antecedentemente como simultaneamente. Antecedentemente por que tal retidão supõe a ordem devida em relação ao fim último, ou seja, por que não consegue o fim sem antes estar para ele ordenado. Simultaneamente por que, como já se disse, a beatitude consiste na visão da essência divina, que é a essência mesma da bondade. Assim a vontade de quem vê a essência de Deus busca a beatitude porque está subordinado a ele. Todavia também busca a beatitude quem não vê a Deus, ou seja, quem não acredita nele, esses a buscam pela noção de bem comum.
Com isso o Aquinate quer mostrar que buscar a beatitude não é exclusividade de quem é cristão ou simplesmente teísta. Mas todos possuem e possibilidade de buscar a beatitude pela noção de bem comum, de fato buscar o bem é uma noção comum a todos. Portanto todo ser humano, agindo pela vontade e pelo intelecto, pode buscar a beatitude, pois tem em vista o bem comum.
A beatitude pode ser considerada de dupla luz. – Quanto à sua essência comum, e então necessariamente todo homem a quer. Pois, a essência comum da beatitude está em ser ela o bem perfeito, como já se disse. Ora, sendo o bem o objeto da vontade, o bem perfeito de alguém é o que lhe satisfaz totalmente à vontade. Por onde, desejar a beatitude não é senão desejar que a vontade seja saciada, o que todos querem. – De outro modo, podemos considerar a beatitude quanto à sua noção especial, isto é, quanto ao em que ela consiste. E então, nem todos a conhecem porque não sabem a que coisa convenha a essência comum dela. E, por conseguinte, nesta acepção nem todos a querem. [10]

[1] AQUINO. Suma teológica. I, II, 3, 1. pg. 1046.
[2] AQUINO. Suma teológica. I, II, 5, 2. pg. 1070.
[3] AQUINO. Suma teológica. I, II, 3, 4. pg. 1050.
[4] AQUINO. Suma teológica. I, II, 5, 1. pg. 1069.
[5] AQUINO. Suma teológica. I, II, 3, 8. pg. 1057.
[6] CANTO-SPERBER, Monique. Dicionário de ética e filosofia moral. v.2. São Leopoldo, RS: Unisinos, 2003. pg. 708.
[7] Cf. AQUINO. Suma teológica. I, II, 5, 4. pg. 1073.
[8] AQUINO. Suma teológica. I, II, 2, 8. pg. 1045.
[9] AQUINO. Suma teológica. I, II, 2, 5. pg. 1040.
[10] AQUINO. Suma teológica. I, II, 5, 8. pg. 1079.

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